sábado, 29 de janeiro de 2011

TEOREMA E A CRÔNICA DE DOM PEDRO: A PERSPECTIVA DO NARRADOR.


“Contar histórias tem, primeiramente, um caráter utilitário: transmitir valores, a tradição, utilizando a palavra como instrumento mágico, como um ritual que completa a natureza a conceder o bem-estar humano. Mais tarde, agregando-se a este valor utilitarista, há também um valor estético. Para este ofício, são imprescindíveis várias habilidades, tais como: memória, talento interpretativo, capacidade inventiva, uso da voz e dos gestos de modo a manter a atenção do ouvinte.” (MEIRELES, 1984, pag. 3)





1. Introdução

É quase impossível falar em narração e não vir à mente Platão e Aristóteles. Não que estes tenham sido os precursores do ato de narra, mas foram certamente os que melhor falaram do assunto na antiguidade e a quem se recorre até nossos dias para falar sobre narração.

A narrativa oferece uma série de possibilidades a serem explorados. Uma em especial merece atenção do leitor: o ponto de vista do narrador, a forma como este se apresenta diante do fato que narra. Para compreender uma história do ponto de vista do narrador, é preciso que se leve em conta quem narra, de que forma narra e os artifícios usados para narrar.

O objetivo deste trabalho é analisar, por meio de um texto comparativo, como se nos apresentam os narradores do conto Teorema de Herberto Helder e da Crônica de Dom Pedro de Fernão Lopes. Para analisar essa perspectiva de narradores dentro das duas obras, recorrerei aos autores Márcia Valéria Zamboni Goboni, Antonio José Saraiva e à tipologia de Norman Friedman de foco narrativo exposta por Ligia Chiappini na obra O Foco Narrativo. Alguns conceitos são apoiados nas definições e classificações de outros teóricos como Lubbock sobre cena e sumário.

2. A Crônica de Dom Pedro e Teorema: Perspectiva do narrador.

Para analisar essa perspectiva de narradores dentro das duas obras, recorrerei à tipologia de Norman Friedman de foco narrativo. Ligia Chiappini define foco narrativo como: “problema técnico da ficção que supõe questionar “quem narra?”, “como?”, “de que ângulo?”.” (LEITE, 2007, p. 89). Essa tipologia é construída com base nas características do narrador defendidas por outros autores como Lubbock.

Friedman considera que as narrativas modernas têm uma predominância de cenas enquanto que nas tradicionais predomina o sumário. Esses conceitos são definidos por Lubbock de acordo com a intervenção do narrador, completando o par narrar e mostrar:

Na cena, os acontecimentos são mostrados ao leitor, diretamente, sem a mediação de um narrador que, ao contrário, no sumário, os conta e os resume; condensa-os passando por cima de detalhes e às vezes, sumariando em poucas páginas um longo tempo da história. (LEITE, 2007, p. 14).

Levando em conta não só o contexto histórico no qual cada obra é escrita, mas também a forma de o narrador se portar, considerando que, segundo Lígia, quanto mais o narrador intervém, mais ele conta e menos mostra, pode-se dizer que o narrador de teorema o faz sumariando os acontecimentos narrados. No conto, Coelho é um narrador que protagoniza a história se esforçando por contar os fatos rompendo as fronteiras do tempo e espaço.

Dessa forma pode-se dizer que o conto é um sumário de apresentação panorâmica, ao qual é dado um tratamento pictórico e há uma predominância de discurso indireto. assim, pode-se tipificar o narrador de teorema, segundo a tipologia de Friedman, como um narrador protagonista. O narrador de Lopes, segundo a tipologia de Norman Friedman, é classificado ora como autor onisciente intruso, ora como narrador onisciente neutro.

Márcia considera que em Teorema há uma relação “de forma explicita, pacífica e proposital” com a tradição mítica do romance entre o rei e Inês, também contado na Crônica de D. Pedro. A relação entre o novo – o teorema de Helder e o antigo – toda a tradição histórico-literária que nos fala desse amoré explicita e proposital.

3. O narrador de teorema.

Em teorema temos o caso do assassinato de Inês de castro, amante do rei Dom Pedro I, contado por um de seus assassinos: Pero Coelho. A palavra “Teorema” significa demonstração. Assim, Pero Coelho nos narra a historia para demonstra que o mito só foi possível com o assassinato de Inês e a sua morte. A história é narrada em primeira pessoa por Pero Coelho e apresenta apenas três falas em discurso direto, sendo que em duas nos fala D. Pedro e em uma o próprio Pero Coelho, agora como personagem e não mais como narrador.

No início da história Pero Coelho faz breve descrição do local onde está posto para morrer, onde se encontra o rei D. Pedro, descrito de forma contraditória como um louco, inocente e brutal:

El-rei D. Pedro, o Cruel, está à janela, sobre a praça onde sobressai a estátua municipal do Marques de Sá da Bandeira. Gosto deste rei louco, inocente e brutal (...). Vejo o rosto violento e melancólico do meu pobre Senhor. (HELDER, 1975, p. 117).

É importante observar que a descrição tem grande importância na obra, pois, possibilita ao leitor ter a percepção do local no qual se passa a cena e os personagens nela presentes. A cena se passa em uma praça no centro da qual está Pero coelho. Personagens secundários completam o elenco de curiosos, ávidos por justiça. Coelho descreve essas personagens segundo as suas percepções, sem que tenha acesso aos seus pensamentos e sentimentos.

É essa atitude do narrador perante os fatos que narra que o identificam como um narrador protagonista segundo a tipologia de Norman Friedman. Observa-se no trecho abaixo que Coelho descreve aquilo que ele supõe pela expressão do rei, que seja o seu estado de humor: A multidão grita; só o rosto de D. Pedro parece triste, embora nele brilhe uma súbita luz interior de triunfo. (HELDER, 1975, p. 118)

Ao explicar o motivo de sua condenação, Coelho se coloca como alguém que cumpre uma missão cívica e por isso merece a simpatia do rei: “matei-a para salvar o amor do rei. D. Pedro sabe-o. Ele diz um gracejo. Toda a gente ri.” (HELDER, 1975, p. 118). Ele não só é o personagem principal do conto, mas é alguém que se dá o poder de ser o protagonista dessa história, alguém inconformado com a posição de coadjuvante que lhe restou na história de Fernão Lopes.

Em um parágrafo o narrador e o personagem são justapostos. A fala do personagem é mediada pela do narrador, sendo ambos personificados em Pero Coelho: “Senhor – digo eu -, agradeço-te a minha morte. E ofereço-te a morte de D. Inês. Isto era preciso para que o teu amor se salvasse.” (HELDER, 1975, p. 118)

Coelho narra sua morte, descreve cada momento como um ato justo e necessário. Descreve a reação do povo, ávido por justiça. D. Pedro mais uma vez é descrito por Coelho de forma contraditória.

Ouço as vozes do povo, a sua ingênua excitação. Escolhem-me um sítio nas costas para enterrar o punhal. Estremeço. Foi o punhal que entrou na carne e me cortou algumas costelas. Uma pancada de alto a baixo, um sulco frio ao longo do corpo- e vejo o meu coração nas mãos de um carrasco. A multidão grita; só o rosto de D. Pedro parece triste, embora nele brilhe uma súbita luz interior de triunfo. (HELDER, 1975, p. 118).

Coelho enfatiza que matou Inês para salvar o amor do rei e que os três irão para o inferno: ele por ser assassino, o casal de amantes por cometer adultério. A rainha é a única a ir para o céu, mas ele a considera tola, por aceitar o romance, embora considere que sem ela, o caso não ficaria famoso:

Sei que vou para o inferno, visto eu ser um assassino e o meu país católico(...) O rei e a amante são também criaturas infernais. Só a mulher do rei, D. Constança, é do céu. Pudera, com a sua insignificância, a estupidez, o perdão a todas as ofensas. Detesto a rainha. (HELDER, 1975, p. 120).

Os valores cristãos do povo português são postos em evidência È um povo contraditório assim como seu rei: ”somos um povo cheio de fé. Temos fé na guerra, na justiça, na crueldade, no amor, na eternidade. Somos todos Loucos.” (HELDER, 1975, p. 119). Coelho como narrador sabe o destino dos personagens não pela sua possível onisciência, mas pela previsão possibilitada pela sua visão católica de mundo.

Coelho se comporta como um narrador atemporal e aproxima passado e futuro do tempo presente, para evidenciar que o mito entrará para a história:

Uma pomba passa diante da janela manuelina. O cláxon de um automóvel expande-se liricamente no ar. Estamos nos começos de junho. Ainda é primavera. A terra está cheia de seiva. A terra é eterna. (HELDER, 1975, p. 120).

Nesse momento, o narrador do conto de Helder se utiliza do sumário. Segundo Ligia o sumário, ao contrário da cena: “amplia no tempo e no espaço, distanciando o leitor do narrado” (LÍGIA, 2007, p. 15). Além disso, a visão do narrador do que narrar é, segundo a classificação das visões de Jean Pouillon apresentadas por Ligia, uma “visão com” pois o narrador aqui não é oniciente, passa as visões das personagens di si. Conforme nos diz Lígia: “Na visão com, o narrador limita-se ao saber da própria personagem sobre si mesma e sobre os acontecimentos.” (LÍGIA, 2007, p. 20)

Sem dar importância aos elementos que simbolizam a história passada de Portugal e sem se importar com o fato de ir para o inferno, Coelho “morre” prevendo que essa história se tornará mito e se perpetuará a cada geração, sendo objeto de inúmeras formas de expressão artísticas:

O marquês de Sá da Bandeira é que ignora tudo, verde e colonialista no alto do plinto de granito. As pombas voam em redor, pousam–lhe na cabeça e nos ombros, e cagam-lhe em cima(...) o povo só terá de receber-nos como alimento de geração em geração. Que ninguém tenha piedade. E deus não é chamado para aqui. (HELDER, 1975, p. 121).

Helder faz uma sobreposição temporal. A história se passa no presente. Helder cria um narrador que atravessa o passado presente e conta de forma irônica a tragédia da morte de Inês de Castro. A opção por esse foco narrativo é fazer com que faça uma reflexão acerca da construção da tradição, sua renovação perpetuação.

4. O narrador da crônica de Dom Pedro.

Fernão Lopes criou um narrador detalhista na crônica de Dom Pedro. Para nos contar as aventuras vividas pelo rei, o narrador seleciona o que vale a pena narrar e exclui o que considera desnecessário: “e por que dos filhos que ouve, e de quem, e per que guisa, já compridamente avemos fallado, nom cumpre aqui razoar outra vez” (LOPES, 1977, p. 7).

O narrador enaltece o rei Dom Pedro, visto como caridoso, justo, alguém que cumpre a lei. Nem mesmo as burocracias do reino o impedem de cumpre a lei:

E elRei Dom Pedro era em dar muito ledo (...) dizendo que o dia que o Rei nom dava, nom devia ser avudo por Rey (...) Foi muito mantedor de suas leis e grande executor das sentenças julgadas. E trabalhavasse qunto podia de as jentes nom seerem gastadas, per aazo de demandas, e perlongados preitos; e se a escriptura afirma, que pó o Rei nom fazer justiça, vem as tempestades, e tribulações sobre o poboo (LOPES, 1977, p. 8-9).

Segundo a tipologia de Norman Friedman, o narrador de Lopes é classificado ora como autor onisciente intruso, ora como narrador onisciente neutro. Para entender essa classificação dupla, há que se levar em conta o fato de que, embora se trate de uma crônica escrita pelo autor Fernão Lopes, que pretende ser o mais imparcial possível, o narrador por ele criado faz comentários da vida e costumes dos personagens, ou seja, a obra possui características de ficção, embora queira aparentar verossimilhança, conforme nos diz Maleva: “Fernão Lopes não se limitou de forma alguma a “pôr em crônica” os acontecimentos, mas a tentar persuadir seus interlocutores das “verdades” que defende” (LOPES, apud. MALEVA, pag.381).

Enquanto autor onisciente intruso, temos um narrador que segundo Friedman:

Tem a liberdade de narrar à vontade, de colocar-se acima, ou (...) por Trás, adotando um ponto de vista divino (...) para além dos limites do tempo e espaço. Pode também narrar da periferia dos acontecimentos, ou do centro deles (...). Seu traço característico é a intrusão, ou seja, seus comentários sobre a vida, os costumes, as características, a moral (...) (FRIEDMAN, apud LÍGIA, 2007, p. 27)

Esse narrador apresenta-se de diversas formas, com diferentes visões. O narrador onisciente neutro limita-se ao tempo e espaço, utilizando-se da cena.

O narra dor da crônica detalha os acontecimentos narrados, datando-os, o que o faz ter um limite no tempo e espaço. Esses acontecimentos são mostrados em forma de cena, embora não se dêem em diálogos e embora haja um narrador que os conta. Porém, ocorre também o sumário, pois há uma predominância de discurso indireto e alguns acontecimentos são resumidos em poucas páginas.

Para nos contar a história o narrador se utiliza de expressões que demonstram sua atitude de intrusão. Dessa forma, sua visão do narrado, segundo a classificação das visões de Jean Pouillon, ora é uma visão com, limitada aos saberes dos acontecimentos pesquisados, sem onisciência, ora uma visão por trás, pois as pesquisas são suficientes para que o narrador tenha domínio sobre a vida dos personagens e seus destinos. Ele expõe um juízo de valor daquilo que narra para conseguir convencer. Maleva nos lembra que:

Buscar convencer com provas e persuadir com emoção - veja-se na citação o recurso expressivo da exclamation -, estes os dói pólos em que se move o cronista, que faz ainda a apologia da sua imparcialidade, uma vez que pretende “posta adeparte toda afeiçom (...) nuamente mostrar ao pobo, quaaes quer contrairas cousas, da guisa que haveerõ” (LOPES, apud. MALEVA, pag.380).

Um fato importante ocorre nas crônicas de Fernão Lopes e com esta não é diferente: há autores que consideram o povo o grande herói dos acontecimentos da história portuguesa narrados pelos cronistas: “(...) os heróis não nos aparecem como causas dos acontecimentos, mas como participantes, às vezes involuntários, dos acontecimentos.O grande ator e promotor da resistência, ao que se infere das suas crônicas, é o povo de Lisboa.” (SARAIVA pag. 25).

Por mais nobre que seja o rei não teria alcançado tantos feitos sem ajuda de seu povo. O povo é o herói, por isso merece se louvado nas obras que se destinam a eterniza os feitos dos portugueses.

Sobre esse narrador, cumpre ressaltar que, segundo a tipologia de Norman Friedman é classificado como narrador onisciente neutro, porem, em alguns momentos ele se permite a intrusão nos fatos narrados. Esse tipo de narrador: “(...) fala em terceira pessoa. Também tende ao sumário embora aí seja bastante freqüente o uso da cena para os momentos de dialogo e ação, enquanto, freqüentemente, a caracterização das personagens é feita pelo narrador que as descreve e explica para o leitor. (LÍGIA, 2007, p. 32)

Segundo Ligia, as características referentes a ângulo, distância e canais desse narrador são os mesmos do autor onisciente intruso. Deve-se considerar também que segundo ela, essa questão de narrador e as características dela decorrentes, são questões de predominância e não de exclusividade. Na crônica percebemos que o narrador se posiciona de diversas formas em ralação ao fato que narra.

Ao iniciar sua narração de um fato, o narrador se coloca como alguém que pesquisa antes de contar, narrando em terceira pessoa, se colocando em no presente longínquo em relação ao fato narrado, preso ao passado: “Pois deste Rei achamos escripto que era muito amado de seu poboo, por os manter em dereito, justiça, desi boa governança que em seu Reino tinha” (LOPES, 1977, p. 19).

Aqui temos um narrador com característica de narrador neutro. Sua visão dos fatos é, segundo a classificação das visões de Jean Pouillon, uma visão de fora na qual: (...) o narrador limita-se a descrever os acontecimentos, falando do exterior, sem que possamos nos adentrar nos pensamentos, emoções, intenções ou interpretações das personagens. (LÍGIA, 2007, p. 21).

Em vários momentos o narrador fala na primeira pessoa do plural: “E poi que escrepvemos que foi justiçoso, por fazer dereito em reger seu poboo, bem He que ouçaaes duas ou tres cousas: por veerdes o jeito que em esto tiinha” (LOPES, 1977, p. 30). Ele utiliza exemplos para demonstrar que Dom Pedro é justo a ponto de colocar a lei acima da vontade do povo, de mandar matar quem comete assassinato. Sua presença impõe respeito capaz de fazer com que o assassino confesse o crime.

O narrador interage com seu interlocutor portando-se como quem fala e não como quem escreve. Ele deixa claro o fato de sua narrativa ser baseada em pesquisas e depoimentos, nomeando os interrogados ao dizer que Pedro e Inês casaram-se em segredo, pois o fato não era do conhecimento do povo, daí a necessidade de nomear para preservar a fonte da informação: “Já teemdes ouvido compridamente hu fallamos da morte de Dona Enes, a razom por que a elRei Dom Affonso matou, e o grande desvairo que amtrelle e este Rei Dom Pedro seemdo estomçe Iffamte ouve por este aazo” (LOPES, 1977, p. 125).

Em relação ao discurso do autor, Maleva diz que:

O discurso de Fernão Lopes dirigi-se a leitores, mediatos ou imediatos, dada a sua natureza escrita. Mas também a “ouvintes”, em que amiudemente nos transforma, e até pelos hábitos seus contemporâneos de serem as crônicas lidas diante se um público, que seria o seu receptor mais imediato. Assim sendo, os verbos ouvir e ver são uma constante na crônica, constituindo índices de oralidade tão ao gosto da tradição literária medieval, e que estabelecem familiaridade, aproximação para com o receptor, do qual são esperadas mesmo indagações ( MALEVA, pag.380).

O narrador situa os acontecimentos históricos no tempo, chegando a datar com muita precisão para dar credibilidade ao que diz. Também detalha como foram colhidos os depoimentos acerca do casamento de D. Pedro e Inês de Castro: “Passados três dias que esto foi, chegarom a Coimbra Dom Joham Affonso comde de Barcellos, e Vaasco Martins de Sousa, e mestre Affonso das leis (...)” (LOPES, 1977, p. 129).

As falas dos personagens são estruturadas como um logo discurso a ser lido. Possuem característica de língua oral já que escritos em discurso direto.

O narrador retoma o que expôs no capítulo I, mais uma vez se portando como quem fala. Vai detalhando os fatos minuciosamente. Ele faz esta narrativa deixando claro quem fala e quem responde, de forma análoga ao que se faz na língua oral. Os discursos indiretos e a narração em terceira pessoa corroboram com essa característica:

Vos ouvistes no primeiro capitollo desta estória, como depois da morte de Dona Enes, elRei seemdo Inffamte, numca mais quis casar, nem depois que reinou quis receber molher, mas ouve huum filho dhuuma dona, a que chamarom Dom Joham (LOPES, 1977, p. 196).

O amor de Inês e Pedro, o assassinato desta e a morte do rei são narrados de forma imparcial, com datas precisas e preservação da fonte das informações. Por esse motivo, a história é presa no tempo e no espaço ao tentar aproximá-la do mundo real aqui se busca a verossimilhança:

Por que semelhante amor, qual elRei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente He achado em alguuma pessoa, porem disserom os antigos que nenhum he tam verdadeiramente achado, como aquel cuja morte nom tira da memória o gramde espaço do tempo(...) fallamos daquelles amores que se contam e lêem nas estórias, que seu fumdamento teem sobre verdade.[...] E morreo elRei Dom Pedro huuma segumda feira de madrugada, dezoito dias de janeiro da era de mil e quatro çemtos e cimquo anos, avemdo dez annos e sete meses e viimte dias que reinava, e quarenta e sete anos e nove meses e oito dias de sua hidade(...) E diziam as gentes, que taaes dez annos numca ouve em Portugal, como estes que reinara elRei Dom Pedro. (LOPES, 1977, p. 199-202).

5. Conclusão

Levando em conta a forma de o narrador se portar, considerando que, segundo Lígia, quanto mais o narrador intervém, mais ele conta e menos mostra, pode-se dizer que o narrador de teorema o faz sumariando os acontecimentos narrados. No conto de Helder, Coelho é um narrador que protagoniza a história se esforçando por contar os fatos rompendo as fronteiras do tempo e espaço. Dessa forma pode-se dizer que o conto é um sumário de apresentação panorâmica, ao qual é dado um tratamento pictórico e há uma predominância de discurso indireto.

Como autor onisciente intruso, o narrador da crônica detalha os acontecimentos narrados, datando-os, o que o faz ter um limite no tempo e espaço. Enquanto narrador onisciente neutro tende ao sumário embora aí seja bastante freqüente o uso da cena para os momentos de dialogo e ação, enquanto, freqüentemente, a caracterização das personagens é feita pelo narrador que as descreve e explica para o leitor.

Assim, pode-se tipificar o narrador de teorema, segundo a tipologia de Friedman, como um narrador protagonista enquanto o narrado da crônica é classificado como narrador onisciente neutro, porem, em alguns momentos ele se permite a intrusão nos fatos narrados. Essas classificações, conforme nos diz Ligia, e as características delas decorrentes, são questões de predominância e não de exclusividade.

Referências

HELDER, Herberto. Teorema. In: ____. Os passos em volta. Lisboa: Assírio & Alvim, 1977.

IANONE, Carlos Alberto, GOBI, Márcia Valéria Zamboni & JUNQUEIRA, Renato Soares (org.). “Teorema” e o impudor da escrita. In ____. Sobre as naus da iniciação: estudos portugueses de literatura e história. São Paulo: Editora UNESP: 1998.

LEITE, Lígia Chiappini Moraes. O foco narrativo. 11ª Ed. São Paulo: Ática, 2007.

LOPES, Fernão. Crônica de D. Pedro. Lisboa, Livros Horizonte, 1977.

MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.

SARAIVA, Antonio José. Fernão Lopes e a prosa no século XV. In: ____. Iniciação à literatura portuguesa. São Paulo: companhia das letras. 1999.

Um comentário:

  1. Ainda não tinha lido esse teu trabalho, achei muito massa, o meu ficou um monstrinho! haha

    Clau, pq tu não faz uma adaptação desses trabalhos pro blog?

    Beijo!

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